Análise: Dread Delusion

Dread Delusion é uma experiência única dentro do género RPG de mundo aberto, trazendo uma abordagem original enquanto ostenta as suas inspirações de clássicos como The Elder Scrolls III: Morrowind e King’s Field. Desenvolvido pela Lovely Hellplace, o jogo constrói um universo rico e envolvente, repleto de dilemas morais e narrativas profundas que prendem o jogador desde o início. Ao explorar este mundo, não podemos deixar de nos fascinar com a sua mistura de desesperança e esperança, onde as linhas entre realidade e ilusão frequentemente se esbatem.

A estética de Dread Delusion é imediatamente nostálgica, remetendo-nos aos RPGs da era dos gráficos low poly , mas com uma distância de renderização surpreendentemente vasta que confere uma sensação de amplitude e liberdade. As ilhas flutuantes que compõem o mundo do jogo são habitadas por reinos e facções, cada uma com as suas próprias culturas e conflitos. Entre estas, destacam-se os Wikkans, devotos dos antigos deuses, e a União, que procura suprimir as antigas práticas religiosas, levantando questões sobre o preço da preservação de tradições versus a modernidade forçada. Podemos encontrar uma espécie de ADN das coleções Dread e isso é um ponto positivo.

Uma das grandes forças de Dread Delusion reside no seu enredo e nas missões cuidadosamente elaboradas. Desde o início, somos confrontados com decisões difíceis, como o caso da aldeia que depende dos Cogumelos Videntes. Estes fungos místicos oferecem vislumbres do futuro, mas a sua colheita outrora exigia sacrifícios humanos. Com a cessação destes rituais, a aldeia enfrenta a ruína, e a população debate-se com a tentação de retomar os antigos sacrifícios. Esta narrativa desafia o jogador a ponderar sobre o valor da vida humana e o peso das tradições, tornando-se um tema recorrente ao longo do jogo. À medida que exploramos mais profundamente, encontramos lugares como o Reino dos Eternos, onde cadáveres reanimados esperam por um fim que nunca chega. Este reino é um lembrete pungente da natureza inescapável da morte, mesmo em um mundo de magia e maravilhas. Um dos momentos mais perturbadores é a existência de um dragão possuído pelas consciências dos mortos que devorou, ilustrando as consequências macabras de uma magia que nunca deveria ter sido conjurada. Por outro lado, no Reino das Engrenagens, a população vive sob a sombra de um deus mecânico defeituoso, que aprisiona memórias e deixa os cidadãos numa existência quase amnésica.

Embora o mundo de Dread Delusion seja impressionante, o jogo não é perfeito. O sistema de combate é um dos pontos mais fracos, permanecendo bastante básico e sem evolução significativa ao longo da experiência. Mesmo com a introdução de novos tipos de armas como adagas e espadas longas, a sensação de progressão é limitada. Muitos jogadores podem sentir que investiram demasiado em armas básicas antes de descobrirem alternativas mais interessantes, o que pode ser frustrante. A alquimia e a criação de itens também seguem um percurso bastante linear, sem grandes surpresas ou personalizações profundas. Além disso, o jogo tem alguns problemas técnicos, especialmente perto do final. Bugs que variam desde falhas na geometria dos níveis até poções que não funcionam como esperado podem quebrar a imersão e causar frustrações desnecessárias. A navegação pelo mundo de Dread Delusion torna-se ainda mais complicada quando se obtém acesso à nave aérea, que sofre de controlos pouco intuitivos e uma câmara com sensibilidade baixa, desajustada em relação às configurações a pé.

Apesar destas falhas, Dread Delusion oferece uma experiência memorável. A banda sonora lo-fi complementa perfeitamente o ambiente isolado e melancólico das ilhas flutuantes, reforçando a atmosfera única do jogo. O maior mérito de Dread Delusion é a forma como consegue entrelaçar várias linhas narrativas num enredo coeso e significativo, deixando espaço para a imaginação dos jogadores sobre o que mais pode existir neste universo peculiar. Dread Delusion é um RPG que brilha pela sua narrativa e construção de mundo, embora falhe em alguns aspectos técnicos e de jogabilidade. Para os fãs de RPGs que procuram uma experiência rica em lore e dilemas morais complexos, este jogo é uma escolha excelente. Mesmo num ano repleto de lançamentos de RPG de alta qualidade, Dread Delusion consegue destacar-se pela sua abordagem única e história envolvente. Com mais polimento, especialmente em termos de combate e correção de bugs, o jogo poderia facilmente tornar-se um clássico cult do género. Até lá, permanece uma joia imperfeita, mas valiosa, no vasto oceano dos jogos de RPG.

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