Análise: The Gallery

Os filmes interactivos enquanto jogos são algo discutível. Não acredito que muitos jogadores sejam da opinião que sejam jogos no sentido mais verdadeiro da palavra. Num sentido mais amplo, talvez, mas mesmo se achar-mos que sejam jogos não podemos negar que a era dourada do género foi talvez na altura da 32X ou 3DO. O género tem no entanto tido um ressurgimento nos últimos anos e talvez tenham recebido os melhores lançamentos do género.

Um dos responsáveis pelos bons resultados obtidos dentro do género nos últimos anos é Paul Raschid, um realizador que navega entre jogos e cinema tradicional e que mostra além de talento, uma dedicação impressionante pelo género. Aquilo que separa estes jogos dos antigos jogos do género é sobretudo a produção. Enquanto que os jogos clássicos do género teriam dificuldade em igualar a qualidade de um B-Movie, estes novos passariam perfeitamente por algo lançado diretamente para TV. The Gallery é até acima da média para o género e teria qualidade para a Netflix ou outro meio.

Não se pode esperar muito mais do que poder fazer algumas escolhas num jogo deste género e é essencialmente isso que podemos fazer em The Gallery. No jogo controlamos as escolhas de um curador de arte que é mantido refém por um intruzo na sua galeria. O jogo é composto por duas história separadas, mas em que a premissa é a mesma, com a única coisa que os separa a ser a época é o protagonista. O jogo é realmente interessante e inteligente em termos narrativos por várias razões. O jogo encontra vários paralelismos entre as duas histórias.

A primeira história tem como palco 1981 onde o Reino Unido de Thatcher se encontra dividido. Há protestos nas ruas e metade do país parece discordar da outra metade. Está época só vê paralelo em talvez outra época, a dos Brexit que é exatamente o palco da segunda história. Na primeira história fazemos as escolhas de Morgan Haynes, uma mulher que tenta angariar mais clientes para a sua galeria e para isso consegue encontrar forma de mostrar o retirado da primeira ministra. Quando está pronta para terminar o dia de trabalho ela descobre que não está sozinha e como o resto da noite se desenrola irá depender das escolhas do jogador.

Com uma mudança de protagonista e agora como palco num Reino Unido divido na questão do Brexit, a segunda história é essencialmente igual. O protagonista da primeira história é agora o antagonista, mas a história é em tudo semelhante. A forma como os temas das duas épocas têm tantos pontos em comum é realmente inteligente e a forma como a mesma história pode manter-se quase igual com tanto tempo entre as duas épocas e com a inversão de protagonistas também. O jogo foca-se em vários desafios e problemas que cada época tem que são únicos, mas é como se o esqueleto da história fosse o mesmo. O jogo transmite a importância dos temas que aborda sem nunca se tornar uma espécie de sermão.

Outro ponto realmente forte é o elenco. Ninguém está à espera que um jogo deste género e com este orçamento consiga ter Tom Cruise na lista de atores, mas o elenco é surpreendentemente bom. Anna Popplewell por exemplo conta com presenças nos filmes das Crónicas de Narnia e George Blagden participou em Os Miseráveis. São credenciais fortes e que não se limitam a trazer validação ao jogo, já que ambos têm prestações fortes aqui e o resto do elenco não fica muito atrás. A relação entre protagonista e antagonista é o ponto mais forte do jogo já que os finais dependem em muito do sentimento que um sente pelo outro e existem mais de vinte finais diferentes. Não é apenas o final que muda conforme as escolhas do jogador, com outras cenas intermédias e mudarem, algumas que mudam completamente o desenrolar da história.

Simplesmente tentar ver todo o conteúdo do jogo poderia ser um pouco aborrecido, mas The Gallery usa essencialmente aquilo que se tornou standard no género e se uma das cenas se repetir podem saltar à frente. Isto faz com que consigam correr através do conteúdo repetido e ver apenas o que ainda não viram antes. The Gallery não revoluciona o género, mas eleva-o. A qualidade da narrativa e das interpretações mostram que apesar do género FMV ter um lugar estranho dentro do mundo dos jogos, como meio tem potencial para experiências realmente interessantes.

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